domingo, 13 de abril de 2008

As dores de amor e de saudade

Vou chamá-lo de Giovanni, o italiano de quarenta e muitos anos que conheci recentemente enquanto estava conversando com minha amiga da escola sobre a proposta de dissertação dela. Giovanni fala unicamente italiano apesar de morar na França há alguns anos e ter morado por outros 5 anos em Cuba. Ele chegou muito ansioso à mesa onde eu estava querendo que eu enviasse naquele exato momento um email para Cuba porque sabia que eu falava espanhol. Levou algum tempo até eu entender exatamente o que ele queria já que não falo italiano.

Acabei enviando um email para o endereço de uma senhora em Cuba que irá alugar sua casa para Giovanni quando ele for a Cuba em novembro. O email era para ser entregue a Juanita que mora na mesma cidade. Eu fiz o que ele pedia achando que tudo acabaria ali. A resposta que recebi não poderia ser mais inusitada já que o filho da dona da casa me perguntava se eu não era filho de um parente dele que havia emigrado para Cuba anos atrás já que eu tinha mesmo nome e sobrenome.

Dia seguinte Giovanni retorna aonde moro pedindo que eu vá com ele até um telefone público para falar com a senhora da casa para perguntar a ela de Juanita. E lá fui eu sem casaco no frio até o telefone que fica a cem metros do prédio. Giovanni falava rápido mas entendi o que dizia: que ele chorava todos os dias desde que partiu de Cuba, que queria morrer na terra de Fidel.

-Luis, diz isso a senhora, pede para ela procurar Juanita. Diz que vou levar um belo "regalo" para ela se me fizer esse favor

A senhora com muita paciência me disse que faria isso, sem necessidade de presentes. Só então me caiu a ficha de que Giovanni estava apaixonado e chorava de saudades.

Depois recebi um email da senhora me dizendo que Giovanni já tinha ligado inúmeras vezes para ela, que ele desconhece a existência do fuso horário, e que eu pedisse a ele para não ligar mais já que ela não tem nada a ver com Juanita. Além de que ele estava atrapalhando e só voltasse a manter contato um mês antes de viajar. E junto veio a resposta de Juanita. Giovanni me fez ler a resposta algumas vezes, sempre fazendo as mesmas perguntas que eu jamais poderia responder. Apesar da barreira de idiomas ele consegue entender o que lhe convém e salta olimpicamente por cima do que não interessa. Ele acha que a resposta de Juanita foi inventada pela senhora da casa para que ele parasse de "encher o saco". Não sei quantas vezes me perguntou se eu acreditava se realmente tinha sido Juanita quem tinha ditado os termos do email.

Desde então eu já encontrei Giovanni várias vezes sempre me perguntando sobre emails de Cuba e até mesmo batendo na minha porta quase à meia-noite. E com tempo fui entendendo melhor a estória de Giovanni e Juanita.

Juanita é uma bela jovem de 22 anos por quem ele se apaixonou e a quem presenteou com pequenas somas em dinheiro pelos padrões europeus e mesmo brasileiros porém enormes do ponto de vista cubano já o salário médio de um professor da ilha é cerca de 25 dólares mensais. Com esses pequenos presentes ela pôde colocar um piercing na orelha e dente de ouro para embelezar o sorriso. Ele sempre faz questão de salientar que conheceu Juanita quando ela tinha mais de 20 anos, que ele não gosta de menores de idade que estão disponíveis aos turistas da ilha caribenha. Giovanni me disse que sabe que não é uma estória de amor, mas ainda assim ele chora por ela. Juanita espera revê-lo em novembro e já deixou ele saber que precisará de 450 dólares para emergências. Giovanni trabalha como um mouro para conseguir economizar o dinheiro dos presentes e do pequeno agrado de alguns poucos milhares de dólares que garantirá a companhia de Juanita enquanto ele estiver por lá. Ele diz que quando era jovem as jovens se achegavam a ele sem necessidade de presentes mas na idade atual isso já acontece mais. Ele já me perguntou o que ele deve fazer pois ele não pode simplesmente abandonar seu trabalho nem Juanita pode vir para França. No fundo ele sabe que se não tiver trabalho pago em euros dificilmente terá o calor do corpo de Juanita. E só faço escutar porque não tenho o que dizer e ainda se tivesse não mudaria o que ele sente. Ademais ele conhece e sabe as respostas às próprias perguntas.

Para mim é difícil lidar com a ansiedade Giovanni porém sigo escutando o que ele fala e servindo de intérprete porque consigo entender como ele sente. Ontem ele me entregou uma carta em espanhol provavelmente por duvidar que eu traduza corretamente o que ele quer dizer. O compatriota dele que escreveu a carta deve falar muito bem italiano porém de espanhol conhece muito pouco. A carta é um monte de palavras em "quase-espanhol" que juntas não fazem sentido e ainda assim tenho de fazer dela um email para que a senhora transmita à bela Juanita. Imagino que a cara de aborrecimento da senhora será menos agradável do que a minha cara de enorme paciência a mais uma solicitação do italiano desesperado.

A ansiedade, a obsessão, a falta de limites, a saudade, o desespero que tomam conta de Giovanni não são exclusividade dele. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, o desencarnado personagem relata as loucuras que fez ao se apaixonar por Marcela. O mundo é assim. Não bastam palavras de conforto, de sabedoria ou de consolo porque somente o contato com o corpo da amada ou do objeto do desejo é capaz de aplacar tanto sofrimento. Depois que o contato físico diminuir a dor, virá a ansiedade de querer ter certeza do que vai dentro do coração e da mente do outro e a partir daí a loucura reinará soberana tentando encontrar em cada palavra ou ato da amada um oráculo capaz de desvendar o futuro.

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