quinta-feira, 29 de maio de 2008

O trânsito de Sampa

A minha rua e outras em torno do prédio onde moro sempre foram tranqüilas mas agora todos os dias pela manhã estão congestionadas de carros. Todas as reportagens que vejo ou leio mostram que as pessoas que cruzam a cidade de carro gastam duas horas para chegar ao trabalho e outro tanto para voltar. Em cinco horas de trem, com incontáveis paradas, se vai de Nice a Milão. Em cinco horas e meia se viaja entre Rio e São Paulo de ônibus.

Linhas de trem ou de metrô não se constroem de hora para outra e tampouco abertura de novas avenidas resolverá o problema. Para situações de caos, medidas paliativas não resolvem. São Paulo é um boa cidade mas o trânsito está transformando Sampa num inferno.

Esteriótipo

Trabalhei em cartão de crédito e sempre que aparecia um erro em alguma conta de cliente costumávamos dizer: 1 é "alguns", dois são muitos e três são todos. Em miúdos, 2 clientes com o mesmo problema geravam um estresse enorme porque os "terrorristas" de plantão criavam pânico dizendo que todos os clientes tinham problemas, poucas vezes alguém fazia essas afirmações baseado na realidade. Poucos exemplos eram suficientes para a generalização.

Temos idéias pré-concebidas em relação a nacionalidades, religiões e a orientações sexuais. Quantos por aqui têm idéias idiotas em relação a argentinos sem nunca ter cruzado com um na vida. Outros falam mal do modo de vida americano sem nunca ter pisado por lá. E normalmente baseamos nossas opiniões no que lemos sem nunca termos vivenciado. Gente boa e gente má existem em todo canto do mundo, independentemente do sexo, da religião, da cor, da idade, etc. Sempre ouvi dizer que os franceses evitam falar inglês mesmo sabendo. Minha experiência me mostrou que muitos franceses não falam inglês porque não sabem, não porque não gostem.

Generalizar é sempre mais fácil, evita o esforço de aprendizado.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Desigualdade racial

Ontem, 13 de maio, se comemorou os 120 anos do fim da escravidão no Brasil. Olhando os dados referentes aos negros, falta muito ainda para se comemorar. O IBGE diz que até o final deste ano, negros e pardos superarão a população branca. Em 2010, serão a maioria absoluta. A renda dos negros, se mantidos os atuais programas de distribuição de renda, será equivalente a dos brancos apenas em 2040. No domingo veio matéria no jornal dizendo que somente 3,5% dos cargos de chefias eram ocupados por negros. E o Supremo Tribunal Federal deverá julgar se o sistema de cotas para negros vigentes em algumas universidades é constitucional.

Os grupos a favor e contra as cotas esgrimem seus argumentos para embasar suas convicções. O argumento mais usado contra as cotas é que o problema reside na falência do ensino básico que prejudica os mais pobres, grupo no qual se enquadra a maioria dos negros. Sem um ensino básico de qualidade, poucos pobres, incluídos os negros, chegarão à universidade. Eu também acredito que seja verdade porém chegar à universidade não resolverá a questão. Na TV uma procuradora do Distrito Federal, que era contra as cotas, usou o argumento mais batido, surrado e falso para defender sua posição. Segundo ela, o que há no Brasil é o preconceito econômico: negro rico vira branco e pobre branco vira negro.

Para mim os grupos a favor e contra as cotas parecem esquecer que o simples fato de alguém entrar numa faculdade não garantirá que a discriminação deixará de existir. Hoje em dia há muitos negros e pardos com boa educação e que nem por isso ocuparão cargos de chefia. Entre um negro e um branco em condições de igualdade, a maioria das empresas privadas optarão pelo negro.

Quando fazia o mestrado, tive de fazer um trabalho sobre recrutamento e seleção. Eu recorri ao banco onde eu trabalhei e contei com a ajuda da responsável por RH da área onde fui funcionário. Ao me falar dos critérios de seleção, ela me fez a seguinte pergunta: quantos negros você já viu trabalhando no banco? Ela mesmo respondeu, existe uma norma não escrita mas o banco não admite negros. Eu perdi uma chance de ouro de perguntar por que eu e outro colega havíamos sido admitidos.

Há pouco mais de 2 anos, conversando com um colega de trabalhei, ele me disse que estava selecionando pessoas para trabalharem com ele. A mulher de RH do banco ligou para ele dizendo que tinha um candidato mas que havia um pequeno problema, ele era negro. O meu amigo teve de se controlar para não responder indignado porque ele também era negro. E seguramente eu deixei de ser aprovado em entrevistas ou promovido por ser negro. Para a maioria das empresas, negro de terno e gravata é segurança de loja ou de casa noturna. As empresas privadas sempre utilizarão o argumento mágico: o candidato ou funcionário não tem o perfil exigido para tal função.

A discriminação por causa da cor da pele existe e não é apenas uma questão de escolaridade ou de situação econômica. E o pior de tudo é que é quase impossível de ser provada. Não basta dar acesso à universidade, é necessário garantir que os ambientes de trabalho reflitam a distribuição demográfica da população brasileira. Não dá para garantir que não existe preconceito em empresas brasileiras que são tão brancas quanto empresas nórdicas.

As péssimas mudanças

Para não dizer que tudo está na mesma após 8 meses fora de Sampa, o trânsito piorou. O estado caótico do atual trânsito deve-se às políticas públicas que privilegiaram o transporte individual em detrimento do transporte de massa e, ultimamente, ao crescimento econômico. Os financiamentos longos causaram recordes na produção e venda de automóveis, a tecnologia flex dos carros novos permitiu que os motoristas pudessem optar entre o álcool e a gasolina. Desse modo os motoristas brasileiros podem escapar da gasolina cara e encher a cara do automóvel com álcool barato. Resultado final: horas gastas num trânsito que cada vez se move menos.

Ontem na feira fui surpreendido com o aumento de 25% no preço do pastel. Ainda assim continua gostoso e barato, R$ 2,50, o equivalente a menos de € 1 que não comprava nada parecido na Riviera. E os demais preços começam a refletir a alta dos alimentos enquanto computadores ficam mais baratos.

Ontem Marina Silva pediu demissão do cargo de Ministra do Meio-Ambiente. Para muitos ela poderia ser uma chata, inflexível por defender os princípios nos quais acreditava. Em vários órgãos subordinados ao ministério houve casos de corrupção mas nenhum respingou nela que sempre me pareceu íntegra, e sinceramente espero que essa imagem perdure. As desventuras dela no ministério são a faceta do governo petista, e sejamos justos, também dos governos que antecederam. Quando se lê os jornais, tem-se a impressão que a devastação das florestas parece ser causada por gente inescrupulosa que não respeita as leis. De fato é política oficiosa patrocinada pelos governantes da região. No Mato Grosso, o governador é o maior plantador individual de soja do mundo. É a raposa tomando conta do galinheiro e todos fazem cara de espanto e surpresa com o desaparecimento das galinhas.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Fome de quê?

Por aqui, o assassinato da menina continua a dominar os noticiários. Em segundo plano vem a questão da alta dos preços dos alimentos. Por aqui os preços também subiram mas ainda um quilo de carne continua mais barato que três pedaços de bife na França, pelo preço de uma dúzia de laranjas na feira daqui de perto no máximo eu compraria três laranjas no reino do Sarkozy.

A China e outros países ricos em dinheiro mas pobres em terras cultiváveis começam a planejar a compra de terras na África e na América Latina para proverem sua segurança alimentar. Veremos se aquilo que pode começar como um mero negócio de compra de terras não termine num futuro tão longínquo como uma invasão militar sob um pretexto qualquer.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

E tudo continua na mesma

Quando estava na França nunca deixei de ficar a par do que ocorria no Brasil porque lia as notícias do país na internet. Entretanto sempre pareciam notícias de um lugar distante que por acaso eu conhecia. Estando de volta a Sampa, os noticiários da TV parecem gritar nos meus ouvidos: bem vindo à realidade da violência dos campos e cidades, dos políticos patéticos, da impunidade dos criminosos, da corrupção escancarada e daqueles que querem seus 5 minutos de fama em cima da desgraça alheia.

O mandante da morte da missionária americana foi absolvido de um crime que passa a não ter causa. No norte posseiros de terras públicas e índios que acham que não precisam respeitar leis, enfrentam-se nas barbas das forças de segurança federais. Político acusado de corrupção repete o chavão de que está sendo vítima de complô por defender os trabalhadores. Um congresso que causaria menos danos ao país se seus membros ficassem em casa recebendo seus gordos salários. Nesses últimos anos simplesmente não fizeram nada a não ser livrarem seus pares dos processos de má-conduta. E por último, o bombardeio contínuo de notícias e detalhes da morte da menina jogada pela janela. E os aproveitadores de plantão que querem aparecer como se estivessem genuinamente preocupados com justiça: policiais, promotores, assistentes sociais, vizinhos, mídia todos têm algo a dizer sobre um crime bárbaro e para isso convocam coletivas de imprensa. As outras milhares de mortes de inocentes parecem que ocorreram no outro lado do mundo, nenhuma indignação.

Bastou a economia do país voltar a crescer para entrarmos no paraíso, todas as mazelas parecem bobagem perto dos recordes de vendas do comércio, dos milhões de automóveis produzidos, das descobertas de reservas de petróleo. Se eu não soubesse que estava no Brasil, poderia ter a sensação de ter desembarcado em outro país.

domingo, 4 de maio de 2008

Sampa

Desci no aeroporto de Lisboa vindo de Nice e imediatamente fui levado para o vôo para São Paulo. Nunca foi tão rápido passar pela checagem de passaporte. No ônibus para o avião já dava para saber que estava no Brasil pois três brasileiros, duas mulheres e um homem, falavam bem alto e o cara escutava música em alto volume no seu celular. Não consigo explicar porém havia no modo de falar dos três um quê de jeito esperto, de jeitinho brasileiro de falar. Fala-se muito do famoso jeitinho brasileiro como uma capacidade de ser flexível mas para mim muitas vezes parece ser o jeito de se levar vantagem.

Pela primeira vez peguei uma fila enorme para passar pelo controle de passaporte num aeroporto brasileiro. Anteriormente os policiais apenas olhavam os passaportes, agora checam os dados no terminal de computador. Um policial federal buscava nas filas os brasileiros expulsos de Portugal e os deixavam sentados aguardando, talvez, por algum procedimento especial. O certo é que o policial tornava a situação dos três jovens mais embaraçosa do que já era.

E o trânsito intenso e vagaroso me esperava para saudar o meu regresso a Sampa.